A árvore do medo
O medo devorou-me o suor e o meu estado de espírito.
O medo sujou o meu nome, rasgou o meu cartão de visitas, fodeu o meu cartão de crédito e rasgou-me
a identidade.
Projetos de rua, os escondi sob a pele.
Bombas, as escondi no barracão da Entidade.
Enterrei artefatos de guerra nos ônibus adaptados ..
Engoli os martelos,
usados na quebra absurda das vitrines.
O Palácio comeu os ponteiros do relógio do Império,
e as artes de Di Cavalcanti.
Queimamos os processos que, em estado de Justiça, foram negligenciados pelo próprio Estado.
O medo dissipou as palavras exaustivamente usadas nos megafones. Nas fuças dos generais!
O medo diluiu-me, em peso e altura, rasgou as fatídicas camisetas amarelas e as calças manchadas nas imersões das clausuras.
Puxei cantos de ordem-unida.
Fiz das tripas quimeras - sempre a voz flambada no conhaque.
Para quê?
O medo raspou-me a cabeça, e triturou pneus –símbolo maior consagrado em nossa luta!
O medo escondeu-me nu, numa caçamba de lixo.
Diminuiu-me de tamanho, dilatou-me o caráter
e levou-me a abandonar a ética...
Em nome de uma alucinação patética?!
Em nome de uma asneira, em honra a um lema medonho?!
O medo treinado levou-me apropriar de uma bandeira que sempre fora de todos.
Alterou a minha lista de remédios.
A prudência apagou as ameaças pichadas em meu prédio,
E foi quem retirou-me daquele lugar sombrio.
A prudência apagou heresias contra homens
pacíficos, sobretudo, os abusos criminosos
contra professores negros,
santos e orixás.
Por que a estupidez de carregar um fuzil?
Eu iria brigar sob as cobertas...
As âncoras fundeadas foram isoladas como feridas
e apodreceram escondidas nas masmorras
do antigo palácio,
De onde retirei o ácaro da poesia, de que vivi distante.
Meus olhos cresceram sobre o lugar vazio
de minha casa, onde havia uma estante.
Retornei ao beco das palavras e reencontrei-me
com as artes nascidas dos sonhos dos homens...
Nichos, onde poetas e artistas de toda lavra consagram a verdade e exaltam a cultura.
Acima de tudo, convivem com as diversidades.
Hoje, alguém bateu na minha porta.
Alguém que buscava solução para a fome.
O medo a tudo me fez temer aquele homem!
E levou-me a esconder correntes, navalhas,
peixeiras, tesouras, canivetes, facas, pistolas, granadas ... Artefatos para uma guerra!
Estou vivendo esse estado-de-coisa. Louco
para retornar ao estado dos seres.
Hoje, eu abri a minha torneira de lágrimas.
Quebrei alguns potes de mágoas.
Mágoas secas,
De coisas que nem me foram dadas
a conhecer.
O sentimento de hoje
me fez entender melhor a justiça.
Sobretudo, o direito que o outro tem de sonhar,
de rezar e de manifestar-se em paz.
Depois que a minha consciência acordou e leu
para mim uma carta, em que se opunha à quebra
dos valores reais, que ignoramos, sem entender
o organismo do que supúnhamos protestar...
Ganhei Goiás!
O ódio cego que desligara o rádio e a tevê,
foram equívocos avessos que condenaram as canções, das penas ao sal.
O sangue latino parou de correr,
O trenzinho caipira foi impedido de circular.
Os artista furaram os olhos do Rouanet e o
Freire ficou impedido de educar...
Travessias e veredas foram fechadas
com espinhos de rosas.
No pó das vidas secas, baleias não sonhariam
com preás!
O grande sertão foi arrasado, em nome de uma guerra sem honra, sem nome e sem lugar.
O assombro era o suposto vermelho do sangue
que move as massas. “A massa que luta!”.
A nossa luta era sintonizar o ódio a tudo.
Sobretudo, nas máximas oriundas da terra plana.
A estupidez nos fazia crer que tudo estava
bem entre nós.
Subíamos numa torre e víamos o país (lá embaixo) dormindo. E de tudo que víamos, até a alma era vermelha e sem valor.
Víamos campos vermelhos por todos os lados...
a cor não era real.
O que nos parecia real não tinha cor.
O nosso mundo perdeu o rumo. Ficou quadrado!
Quando foices e martelos se ergueram
para quebrar aquelas vidraças, eu percebi
a desgraça em mim.
Deitado entre os estilhaços e valores
secularmente protegidos, eu percebi-me usado, consumido. Aviltado!
De olhos fechados para a verdade
eu enxergava o que me fizeram enxergar.
Acreditei no que me permitiram crer.
CK
Carlos Kahê
Enviado por Carlos Kahê em 20/03/2025
Alterado em 10/06/2025